sexta-feira, 22 de março de 2013

Alice


        A cadeira de balanço ia e vinha em um ritmo lento. A sala era sombria. As paredes em madeira com a tinta descascada estavam podres. A única porta em pé tinha um enorme buraco e dava para a sacada. O vento frio e a luz fraca do sol poente entravam.

        Além da prateleira com dois pratos rachados, o único móvel da sala era a cadeira de balanço onde uma garotinha e seu pai sentavam.

        Alice seria uma garotinha loira e feliz, teria olhos verdes encantadores. Mas seus olhos eram cinzentos e os cabelos esbranquiçados, mesmo que tivesse apenas nove anos. A fome mostrava seus ossos sob a pele.

        Seu pai, Pablo, a abraçava tremendo. O único cobertor da casa estava com Alice e o inverno nuclear* que veio depois da Terceira Grande Guerra soprava um vento gelado e fétido pelo buraco da porta.

        — “Cortem-lhe a cabeça! Cortem-lhe a cabeça!” dizia aos berros a Rainha Vermelha.

        Pablo contava a filha a história preferida da garota: Alice no País das Maravilhas. Já havia lido o livro tantas vezes para Alice que mesmo depois de queimá-lo para se aquecerem, podia ditá-lo sem erro algum. A voz era fraca, mas aconchegante para a pequena Alice, que mesmo com fome e frio, sorria.