Ela
tinha uma vida perfeita. Aos nove anos de idade, quando ainda brincava de
bonecas, tinha um amigo de sua rua com quem brincava que namoravam e que iriam
se casar. Quando fizeram dez anos a brincadeira passou a ser verdade e eles
tinham um daqueles namoros fofos de criança. Aos doze tinham mais noção das
coisas, já se beijavam e eram realmente namorados. Aos quatorze tiveram uma
primeira vez perfeita. Casaram-se aos vinte e dois anos. Se formaram cada um na
profissão que queriam, tinham empregos maravilhosos, filhos magníficos e...
Você pode estar pensando agora que eu, malignamente como escritor, vou colocar
um maldito acidente de carro e deixar ela paraplégica, vou deixar a filha dela
louca após matar o marido dela, vou colocar um homem agressivo e drogado como
amante dela, ou uma amante possessiva e psicótica para o marido dela. E eu
realmente posso fazer isso. Posso colocar drogas na vida dos filhos, posso
cegar a Daniela. O nome dela pode ser Fabiana. Ou Clara. Eu posso fazer da vida
dela o que eu quiser. Porque eu sou o escritor aqui. Eu sou o Deus da história
de Danilo. Sim, Danilo, porque eu agora resolvi que vai ser um homem. E por
isso, eu vou mudar o marido Guilherme para a esposa Beatriz.
A questão é: Eu vou fazer isso? Eu vou acabar com a perfeição da vida de Danilo
e Beatriz? Em que tipo de dimensão ou universo um deus faz isso com as pessoas?
A literatura imita a realidade. A realidade é cruel. Não precisa ser, não.
Mas... me diga, se eu não for estragar de algum jeito, nem que temporariamente, você leria sobre a vida de Danilo? Não haveria história. Não haveria graça. Nem mesmo para ele.
Nesse momento Danilo está deitado em sua cama, às cinco e cinqüenta e dois da
manhã, esperando o despertador tocar às seis.