quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Hora do Conto: Memória Curta

Só o que ele sabia era que ele a havia matado. Ele nem tinha certeza do porquê. Talvez... Talvez tivesse sido o calor do momento, não é? Um pouco de raiva, uma briga mais exaltada em uma casa de campo rodeada de árvores, o stress das brigas constantes... Talvez ele tenha perdido o controle. Ele não se lembrava. Sabia também que a sujeira embaixo de suas unhas tinha a mesma cor do líquido que havia manchado o tapete sobre o qual ela estava, sem se mexer. Era uma moça bonita. Os cabelos de um ruivo escuro que mal era distinguível do castanho na meia-luz estavam sujos de sangue, mas o rosto parecia sereno. Os olhos estavam fechados. As sardas eram leves e dava, um tom de inocência à mulher.
"Será que ela seria inocente? Eu não mataria ela por nada...", ele pensava. Faz sentido, não faz? Ele não teria matado a garota sem motivo. Ela provavelmente havia feito algo de errado, certo? Ele não era um monstro, certo?... Certo?...
Uma risada ecoou. Ele olhou para a janela e conseguiu distinguir a sombra de... Alguém. Ele afastou a cortina a tempo de ver as crianças correndo. Duas delas. Pareciam rir, correndo para longe da casa como quem foi pego bisbilhotando e tinha de sair de lá.
"Emily, eram só crianças." Gritou ele para a esposa na sala. Ele sabia que o barulho que eles ouviram não era nada demais.
"Sobre o lago, podemos ir lá ama-", a voz dele travou na garganta. Emily estava morta no tapete. Ele olhou para o vermelho já seco em suas mãos. O cheiro de carne podre era forte, mas ele não sentia. Talvez ele também estivesse com muita fome, mas não sentia. Há quantos dias ele estaria lá? Ele não sabia. Ele também não sabia quantas vezes as "crianças" haviam voltado para rir dele.
Só o que ele sabia era que ele a havia matado. Ele nem tinha certeza do porquê. Talvez... Talvez tivesse sido o calor do momento...

Nenhum comentário:

Postar um comentário